15 de maio de 2012

CRÔNICA: DE VOLTA AO PASSADO

É possível que nos tempos de Pedro II o bordão português fosse expressão de compromisso com a verdade: palavra de rei não volta atrás. Foi com o propósito de ver cumprida sua palavra que o generoso imperador, nos idos de 1877, ante a devastadora seca que assolava o Nordeste, proclamou a sentença que viria a abrir o dicionário de promessas para a região: "Não restará uma única joia na coroa, mas nenhum nordestino morrerá de fome". Ao que se sabe, não faltou nenhuma joia na coroa do imperador...

Milhares de nordestinos não resistiram à inclemência das grandes secas que assolaram o semiárido ao correr do século 20 (a de 1915 foi devastadora). E hoje, se não morrem mais de fome, passam muitas necessidades, a começar da falta de água nas torneiras de suas casas. Nos últimos tempos o crônico problema emergiu sob manchetes que dão conta da pior seca em 30 anos - no caso da Bahia, a mais grave em 47 anos -, situação que ressuscita as agruras do passado, simbolizadas por caminhões-pipa levando água para 600 cidades, filas de pessoas com balde na mão, lavouras dizimadas, carcaças de animais nas terras esturricadas, pequenos rebanhos desfilando uma estética da fome.

Os danos começam a atacar o bolso e o estômago: a mão de milho, com 50 espigas, subiu de R$ 8 para R$ 15, o quilo de feijão, de R$ 3 para R$ 6,20. O fato é que o efeito da seca já se faz sentir na economia nordestina, a denotar que os padrões da vida moderna e os bilhões despejados por governantes em obras de serventia duvidosa não conseguem preencher as demandas das populações. Com o celular pregado ao ouvido enquanto espera a vez de pegar água na mangueira do caminhão-pipa, o moço de bermuda mais parece um insólito retrato da extravagância. Afinal, aquele aparelho de cores berrantes e som estridente destoa da cena que lembra a saga do passado, tão bem descrita por trovadores e imortalizada pelo cancioneiro maior do Nordeste, o de Luiz Gonzaga, ao puxar o lamento: "Quando a lama virou pedra/ e mandacaru secou,/ quando o Ribaçã de sede/ bateu asa e voou,/ foi aí que eu vim me embora/ carregando a minha dor".

O povo já não vai embora porque há um colchão social para atenuar as dores de quem vê a lama virar pedra. Dos 13 milhões de famílias que recebem Bolsa-Família, a concentração maior é no sertão do Nordeste, onde 70% são assistidos pelo programa. Isso explica o contraste que se vê naquela fila da água: um traço do Brasil tecnológico, simbolizado pelo celular, ao qual 164 milhões de brasileiros têm acesso; e o desenho do País das grandes carências, dentre as quais a de água, que deixou de pingar nas torneiras de 85% dos municípios da região.

Fonte: Extraído do Artigo "De Volta ao Passado", escrito por Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP, é consultor político de comunicação.


Por MAYKON OLIVEIRA

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