O jornalista André Gustavo publicou um Artigo denominado de "A multidão". No texto, ele destaca as muitas facetas dos protestos e mobilizações desencadeados em centenas de cidades brasileiras nos últimos dias.
Para o estudioso, o povo deu o seu recado. O prestígio dos governantes está baixo e o dos
partidos deixou de existir. Eles não representam mais ninguém.
Clique no link abaixo e confira na íntegra.
Por MAYKON OLIVEIRA
Artigo - A Multidão
Grandes manifestações, de nível fluvial amazônico, geram
conseqüências profundas. Além das imaginadas por seus organizadores. A
história registra situações inéditas. Ninguém controla a multidão.
Sempre há aproveitadores, curtidores, inocentes úteis e vândalos. O
início do protesto é facilitado pelas redes sociais. O final não costuma
ser o planejado. Uns e outros atacam, assaltam, ateiam fogo no
quarteirão, nos ônibus e tudo que estiver pela frente.
Em 1968, sem aviso prévio, estourou uma revolta popular, tipo
guerrilha urbana, em Paris. No início, o governo assistiu o movimento
que rapidamente evoluiu para conflitos pesados nas ruas, com incêndios,
depredações e, adiante, recebeu o apoio das poderosas centrais
sindicais. O país parou. Greve em cima de greve. De Gaulle, o grande
herói da guerra, criador da 5ª República, tentou conversar, mas não deu.
A Polícia entrou em campo e baixou o cassetete. Finalmente o grande
líder falou aos franceses e tudo voltou ao normal.
Foram convocadas eleições gerais, De Gaulle venceu. Um ano depois ele
submeteu ao povo um plebiscito para modificar a legislação partidária.
Perdeu. Deixou o governo e morreu pouco depois de causas naturais.A
revolução francesa espalhou-se pela Europa e também atravessou o
Atlântico. Desembarcou no Rio e encontrou em São Paulo estudantes
dispostos a provocar o governo dos militares. Nas duas cidades ocorreram
passeatas enormes, mais de cem mil pessoas nas avenidas. Os cariocas
desfilavam pelo centro da cidade e o pessoal nos escritórios instalados
nos prédios da avenida jogavam tudo o que tinhas nas mãos sobre os
soldados.
Consequências - A decretação do Ato Institucional nº 5
institucionalizou a ditadura, abriu as portas para a tortura e amordaçou
os tribunais. Suspendeu o habeas corpus e deixou os órgãos de repressão
livres para agir. A ditadura só terminou em 1985, quando o general João
Figueiredo passou a faixa presidencial para José Sarney. Na Europa, os
cidadãos da Tchecoslováquia imaginaram que poderiam construir o
socialismo mais humano. Lutaram por abertura democrática no duro regime
soviético. Foram reprimidos com extrema violência. O regime se fechou
ainda mais.
No Brasil, em 1984, ocorreram diversas manifestações em favor da
realização de eleições diretas para presidente da República. O povo foi
para as ruas. E perdeu. A emenda foi derrotada no Congresso.Mas a
mobilização continuou, os comícios se sucederam e resultaram na eleição
de Tancredo Neves – o favorito era Paulo Maluf – e a convocação da
Assembléia Nacional Constituinte. Tancredo morreu no meio da caminhada.
No entanto, as conseqüências se concretizaram. Ulysses Guimarães levou
seu trabalho até o final. Exibiu o exemplar da Constituinte cidadã. Foi o
marco da redemocratização.
O povo retornou as ruas por causa de Collor. Os cara-pintada
não concederam ao então presidente o apoio pretendido. As passeatas
pressionaram os congressistas de maneira tão forte que eles votaram a
favor do impeachment de um presidente democraticamente eleito. Itamar
Franco, o vice, assumiu o governo sem qualquer tipo de crise. Governou
como quis. Ele, aliás, produziu junto com a equipe de FHC, o plano real.
O Brasil é movido a multidões. E quando o povo vai para as ruas as
conseqüências são imprevisíveis. O efeito colateral existe.
O Brasil vive momento excepcional neste momento. A Copa das
Confederações colocou o país nas manchetes do mundo inteiro. De repente,
o brasileiro descobriu que tinha capacidade para construir estádios de
futebol semelhantes aos melhores do mundo. É o chamado padrão FIFA.
Houve dinheiro para construir as arenas, mas não há para melhorar o
sistema de saúde, o salários dos professores, nem melhorar a proteção do
cidadão exposto a marginais e assaltantes no cotidiano das grandes
cidades. Um choque de realidade para o cidadão. O país pode, é capaz e
não realiza mais porque a corrupção não deixa.
Vaia -O primeiro sinal, que surpreendeu todo o governo, foi a vaia no
estádio Mané Garrincha em Brasília. Foi eloqüente. E significativa.
Depois em Fortaleza, o povo cantou o hino nacional à capela. Reafirmou
sua condição de principal protagonista no cenário atual. Semanas após o
encerramento do torneio de futebol, o Papa Francisco virá ao Brasil para
a Jornada Mundial da Juventude. Será a primeira viagem de Sua Santidade
ao exterior.Milhões de pessoas vão participar de vigília e da missa
campal. O argentino vai desfilar por Copacabana. O Brasil continuará na
vitrine.
O brasileiro gostou de aparecer. Ano que vem haverá a Copa do Mundo e
eleição presidencial. Ano difícil. Cheio de perigos e armadilhas. O
torneio de futebol é o maior evento do planeta. A audiência dos jogos
somada passa de dez bilhões de pessoas. A escolha do novo presidente da
República envolve campanha eleitoral, discursos, comícios, eletrônicos e
ao vivo, utilização da internet e naturalmente muito debate. Serão
cerca de 130 milhões de eleitores. Afinal de contas, eles vão decidir o
futuro do país que é a sexta ou sétima maior economia do planeta.
As passeatas vão influir na política e mexer na economia. A redução
dos preços das passagens vai provocar ligeira queda nos índices
inflacionários, que constituem importante combustível de tanta
manifestação. Os candidatos deverão tentar capitalizar tanta
insatisfação. Respostas precisam ser urgentemente oferecidas. O estrago
foi muito grande. O prestígio dos governantes está baixo e o dos
partidos deixou de existir. Eles não representam mais ninguém.
André Gustavo é jornalista - Via ABC Polítiko
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